Como foi descrito nos capítulos 2.4 e 3, a falta de combustíveis na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial foi um dos percussores do uso do etanol em larga escala. Durante esse mesmo período, os Estados Unidos entraram em uma nova era de renascença tecnológica com a chegada de diversos cientistas europeus, que conseguiram migrar de seus países invadidos, tentando se refugiar dos horrores do regime nazista. Neste subcapítulo, descreveremos com mais detalhes como foi que tais cientistas e acadêmicos acabaram dando origem a uma nova geração de centros de excelência em pesquisa científica aplicada, como o laboratório da Bell Labs e o time de Los Alamos, que desenvolveu tanto o Manhattam Project quanto a base de várias invenções tecnológicas que mudaram o mundo.

Dentre o grupo de imigrantes de peso que ingressaram no mundo acadêmico, vários deles contribuíram para as inovações que criaram inúmeras vantagens competitivas para a comunidade científica dos Estados Unidos, entre eles os físicos Albert Einstein, Niels Bohr, Enrico Fermi, James Franck, Maier-Leibnitz, Oppenheimer e Otto Stern.

James Franck, junto com Gustav Ludwing Hertz, recebeu o Prêmio Nobel de Física por seus estudos que estabeleciam as leis que atuam no impacto de elétrons sobre os átomos. Foi diretor do Instituto de Física Experimental II da Universidade de Göttingen, onde se revelou um tutor inspirador e talentoso, capaz de reunir em torno de si um círculo de estudantes e colaboradores de peso como Blackett, Condon, Kopfermann, Kroebel, Maier-Leibnitz, Mayer Oppenheimer, e Rabinovich, para mencionar alguns deles. Esta lista exclusiva de mentes brilhantes, anos mais tarde, viria a ser conhecida em seus próprios campos.

Desta lista, Niels Bohr (Prêmio Nobel de Física em 1922), Enrico Fermi (Prêmio Nobel de Física em 1938), Richard Feynman e Hans Bethe também merecem um lugar de destaque, devido a suas demonstrações da existência de novos elementos radioativos produzidos por irradiação de nêutrons e pela descoberta de reações nucleares produzidas por nêutrons lentos. Neste time ilustre de primeira e segunda gerações de imigrantes europeus ,também destaca-se a cientista Maria Goeppert-Mayer (Prêmio Nobel de Física em 1963), que em 1930 recebeu seu doutorado em física teórica e cuja banca era composta por três eventuais ganhadores do prêmio Nobel. Maria se casou com Joseph Edward Mayer, um americano recipiente da bolsa Rockefeller que foi trabalhar com James Franck, na mesma época em que ela estava concluindo seu doutorado. Com o advento da guerra, Maria e seu marido se mudaram para Baltimore, em 1933, após o regime nazista ter assumido o poder na Alemanha. Mayer tornou-se professor da Universidade John Hopkins[i]. Nessa época, ela começou a trabalhar com a cor de moléculas orgânicas. Em 1939 foi transferida para a Universidade de Columbia e foi professora no Sarah Lawrence College por um ano. Trabalhou, ainda, no Laboratório SAM, dedicado à separação de isótopos de urânio, com Harold Urey como diretor.

Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, foi fundado durante a Segunda Guerra Mundial como um centro secreto para coordenar a investigação científica do Projeto Manhattan, um projeto que daria início ao desenvolvimento das primeiras armas nucleares[ii], uma vez que foi elaborado como um projeto do tipo força-tarefa criado para o desenvolvimento da bomba atômica[iii]. Até hoje, Los Alamos é um centro de pesquisas e novas tecnologias. Em 1942, o laboratório ficou oficialmente conhecido como Site Y, devido às dificuldades encontradas na realização de estudos preliminares em armas nucleares dentro das universidades espalhadas por todo o país. O primeiro diretor científico do Projeto Manhattan foi Robert Oppenheimer, que passou muito tempo de sua juventude na área do Novo México, e acabou fazendo o reconhecimento da área juntamente com o general Leslie Groves e o físico Ernest Lawrence. Los Alamos é considerado um dos laboratórios mais importantes dos Estados Unidos, tanto para a pesquisa científica confidencial quanto para a pesquisa aberta. O laboratório foi imortalizado em diversos livros autobiográficos e técnicos, tanto sérios quanto tragicômicos como o O Senhor está Brincando, Sr. Feynman?[iv].

Durante a década de 1950, Hans Bethe também desempenhou um papel importante no desenvolvimento das bombas de hidrogênio maiores, apesar de ter se juntado ao projeto de Los Alamos com a esperança de provar que uma bomba maior não podia ser criada. Ele acabou se surpreendendo com a perspicácia e a capacidade de seu time. O trabalho de Bethe, em Los Alamos, incluía calcular a massa crítica de urânio-235 e a multiplicação da fissão nuclear de uma bomba atômica explodindo. Junto com Richard Feynman, ele desenvolveu uma fórmula para o cálculo do rendimento explosivo da bomba[i]. Depois de novembro de 1943, quando o laboratório tinha sido reorientado para resolver o problema de implosão da bomba de plutônio, Bethe passou grande parte de seu tempo estudando os aspectos hidrodinâmicos da implosão, um trabalho que continuou em 1944. Em 1945, ele trabalhou no iniciador de nêutrons e, mais tarde, na propagação da radiação de uma bomba atômica explodindo.

Durante o teste Trinity[1], onde a primeira bomba atômica foi detonada, no deserto do Novo México, em 16 de julho de 1945, a preocupação imediata de Bethe foi com o funcionamento eficaz da bomba, até que se juntou a Albert Einstein, na Comissão de Emergência de Cientistas Atômicos, contra os testes nucleares e a corrida armamentista nuclear. Ele influenciou a Casa Branca para assinar a proibição de testes nucleares em 1963 e 1972. 

Em Los Alamos, apesar de inovadora, a rotina também era enervante. O local era considerado supersecreto e o gerenciamento operacional era realizado por militares, mas a diretoria científica era ocupada por civis. O primeiro grande obstáculo científico do projeto foi resolvido na Universidade de Chicago, onde uma equipe liderada por Enrico Fermi iniciou a primeira reação artificial em cadeia da sustentação nuclear, em um reator experimental chamado Chicago Pile-1[ii]. Enrico Fermi foi um dos cientistas cujos descobrimentos mais revolucionaram e continuaram revolucionando o mundo moderno. O laboratório FermiLab de Batavia (a 58 Km de Chicago) foi nomeado em sua homenagem[iii]. Como veremos no capítulo 10.4 alguns conceitos desenvolvidos por Enrico Fermi relacionados à fusão energética estão sendo testados até hoje no FermiLab, e os resultados desses testes alinhados aos dados, que também estão sendo testados pelo CERN na Suíça, detêm as maiores possibilidades de inovação tecnológica dentro da área de fusão, que são extremamente promissoras (no longo prazo) para o futuro energético mais limpo de nosso planeta[iv].

Fermi recebeu o Prêmio Nobel em 1938 pela “descoberta de novos elementos radioativos produzidos através da irradiação de nêutrons e pela descoberta de reações nucleares provocada por nêutrons lentos”[v]. Por causa de sua crescente preocupação com a vida sob o regime fascista italiano, Fermi e sua família aproveitaram a oportunidade oferecida por sua viagem à Suécia para a cerimônia de premiação do Prêmio Nobel para sair da Itália definitivamente. Eles vieram para os Estados Unidos, onde Fermi aceitou uma posição como professor de Física na Universidade de Columbia[vi].

Durante os últimos anos de sua vida, Fermi ocupou-se com o problema da origem misteriosa dos raios cósmicos. Assim, desenvolveu uma teoria segundo a qual um campo magnético universal, composto pelas energias cósmicas fantásticas presentes nas partículas de raios, atuaria como um acelerador gigante. Foi graças a esta geração de cientistas e professores que os estudos sobre as possibilidades energéticas do hidrogênio se desenvolveram.



[1] Nome dado a um projeto de implosão.


[i] FEYNMAN, Richard P.; WELTON, T. A. Neutron Diffusion in a Space Lattice of Fissionable and Absorbing Materials. Los Alamos Scientific Laboratory, Atomic Energy Commission. 1946.http://www.osti.gov/cgibin/rd_accomplishments/display_biblio.cgi?id=ACC0106&numPages=18&fp=N

[ii] FERMI et alli. “Artificial Radioactivity Produced by Neutron Bombardment”, Proc. Roy. Soc., 1934 and 1935; “On the Absorption and Diffusion of Slow Neutrons”. Phys. Rev., 1936. The theoretical problems connected with the neutron are discussed by Fermi in the paper “Sul Moto dei Neutroni Lenti", Ricerca Scientifica, 1936.

[iii] FERMI, Enrico. “Tentativo di una teoria dei raggi SS”. Ricerca Scientifica, 1933 (também Z. Phys., 1934). Propõe uma teoria da emissão de raios-SS, com base na hipótese, a primeira proposta por Pauli, da existência do neutrino.

[iv] FermiLab - http://www.fnal.gov/pub/about/whatis/history.html

[v] Nobel Prize http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1938/fermi-bio.html

[vi] Enrico Fermi http://www.fnal.gov/pub/about/whatis/enricofermi.html 


[i] Perfil dos vencedores do Prêmio Nobel de Física http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1925/franck-bio.html

[ii] "The Manhattan Project". In: New York Times, 2007. http://www.nytimes.com/interactive/2007/10/30/science/20071030_MANHATTAN_GRAPHIC.html

[iii] A história completa do Projeto Manhattan de Richard Rhodes, The Making of the Atomic Bomb (Simon & Schuster, 1986).

[iv] Cujo autor foi o próprio Feyman, que adotou uma narrativa leve, porém muito ousada, por ser às vezes trágica e, em alguns casos, hilariante, em uma época onde cientistas eram considerados pessoas sisudas e inacessíveis.